domingo, 11 de dezembro de 2011

Eurocépticos e o futuro

É curioso verificar como muitos portugueses se regozijam com a recusa britânica em aceitar o acordo de 6ª, na "Cimeira das Cimeiras" para salvar o Euro. A posição de David Cameron é vista como um acto de independência e de soberania nacional e como uma posição de resistência perante o eixo franco-alemão. Mas aquilo que é difícil de entender é a defesa dos privilégios britânicos, em nome de uma "City", onde o Capital é o único valor que reina, e de um país para quem os off-shores (da Ilha de Man a Gibraltar) continuam a ser um assunto intocável.
A recusa de Cameron à ideia de uma "Europa federada" enquadra-se nessa mentalidade insular e meia-cega que recorda a Segunda Guerra Mundial como o momento em que uma Inglaterra, sozinha e com a liderança de Churchill, se salvou, salvou a Europa e salvou o Mundo. Claro que, neste quadro  glorificado, os americanos foram uma vírgula insignificante e o Exército Vermelho nunca existiu. Teriam os ingleses resistido se a Alemanha não se tivesse virado para Leste e encontrado a resistência russa? Ninguém sabe. Mas a narrativa dificilmente teria sido a mesma.
Com todos os defeitos que tem, a Europa que se constituiu após a Guerra e a partir do eixo franco-alemão trouxe uma paz e um bem-estar generalizados e inauditos. Há países a viver em estado de "riqueza" emprestada? Claro. Há muitos portugueses, espanhóis, irlandeses a viverem acima das suas possibilidades e há muito crédito mal-parado? Sem dúvida. Mas esse não é um problema decorrente da política da União Europeia mas sim do sistema financeiro - o mercado, aliás, começou por rebentar nos Estados Unidos, devido à "bolha imobiliária".
A recusa inglesa é, também, vítima de um complexo de inferioridade, de um ex-Império que, de Blair a Cameron, se chega crescentemente aos Estados Unidos para tentar manter um ar de relevância mundial.
Cameron, teoricamente, defendeu os interesses da "City" e o orgulho do Império. Não percebo por que razão havemos de ficar satisfeitos com isso. O "orgulhosamente sós" sempre me pareceu um conceito francamente estúpido. 
Michael Heseltine, que de parvo não tem nada, aponta alguns dos erros desta decisão britânica que, como afirma, terá o apoio popular (como se pode ver pela posição de George Osborne no mesmo artigo). E esse é um dos grandes problemas dos políticos europeus (e não só): o populismo. Nesse aspecto, Cameron  em nada é diferente de Merkel, de Sarkozy ou do deposto Berlusconi.
The former Tory cabinet minister Lord Heseltine has warned Eurosceptics that the UK could not protect its interests by "floating off into the Atlantic" and cutting itself from Europe.
Heseltine, who is one of the Conservative party's strongest Europhiles, backed David Cameron's controversial use of the veto, saying the prime minister had no choice because he would not have been able to get the proposal for treaty changes through parliament. "The politics made it impossible", Heseltine said.
But he warned: "In saying he wanted to protect the interests of the City, there is no way you can protect those interests by floating off into the Atlantic, frankly."
Heseltine told BBC Radio 4's Today programme there would have to be a discussion now about the City's relationship with the eurozone.
Asked whether Britain would inevitably have to leave the EU, he said: "The issue is not what the people accept today, it's what they will accept when they perceive the potential damage to hundreds of thousands of British jobs and tax revenues."
Eurosceptics are delighted with what they see as Cameron's "bulldog" stance against Europe but he is also facing criticism because he did not come away from negotiations with any guarantees over the banking sector he was seeking to protect by using Britain's veto. The Guardian

2 comentários:

  1. É muito bonito fazer publicidade à UE e ostracizar o Reino Unido (parece estar na moda), esquecendo-se de mencionar que eles não recusaram de imediato o acordo.

    O Reino Unido queria que fossem feitas algumas concessões (escandalosas! http://www.scribd.com/doc/75193128/UK-protocol-demand-to-EU), e o Sarkozy disse logo "NÃO!".

    Se a França e Alemanha podem defender os seus interesses, porque não há o Reino Unido de poder fazer o mesmo?

    E a crise que vivemos actualmente é em parte culpa nossa, concordo absolutamente consigo nesse ponto. Mas não santifique as políticas da União Europeia, que foram tudo menos igualitárias e que ajudaram a destruir a nossa competitividade. Só na parte das políticas das pescas e da agricultura podia dar inúmeros exemplos (mesmo com subsídios, há muitos casos onde estes são completamente nefastos).

    Considero que, ao invés de criticar os eurocépticos tomando uma abordagem igualmente extremista pró-europa, seria muito mais produtivo ver as coisas de todos os prismas.
    Cumprimentos.

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  2. É verdade que não é preciso fustigar muito os Ingleses já que eles próprios o fazem bem - do liberal Nick Clegg(http://www.nytimes.com/2011/12/12/world/europe/nick-clegg-criticizes-david-cameron-on-europe-vote.html?_r=2) ao conservador pró-europeu Kenneth Clarke (http://www.latestcnnnews.com/david-cameron-defends-his-veto-stance-at-eu-summit.html), por exemplo. Mas não consigo aceitar completamente a história de que foi a União Europeia que destruiu as nossas pescas e a nossa agricultura porque, se calhar, para cada produtor de leite que protestou contra as directivas de Bruxelas, houve um produtor de batatas que recebeu de braços abertos os subsídios para fechar portas.
    É que, quando me lembro do dinheiro que por aqui foi tão mal usado (as formações do Fundo Social Europeu, os Prodeps, os Feders e outras tantas siglas que apenas significaram cifrões…), vejo mais erros internos de facto, do que erros externos de princípio. Claro que também os houve mas, no fundo, Cameron, Merkel, Sarkozy, e todos os outros, não defendem “os interesses dos seus países”. O que cada um defende é, naturalmente, uma visão específica da Europa: a sua e a dos que os apoiam. Como a ideia de uma Europa a falar em uníssono é tão credível como uma América que, do Alabama a Nova Iorque, falasse sempre a uma só voz, haverá sempre dissensões e divisões, internas e externas.
    Mas, por muitos erros que haja no projecto europeu, não creio que teríamos construído e modernizado (bem e mal) hospitais, a rede viária e o país e vivido, ingenuamente, na ilusão de que éramos o rico reino da Dinamarca se nos tivéssemos armado em Ingleses.
    Por isso, também concordo consigo quando diz que o projecto europeu não merece santificação. Creio é, genuinamente, que é o menor dos males embora a precisar de muitos acertos e de umas quantas limpezas.
    E depois há a velha questão dos nacionalismos. Na Europa costumam dar muito mau resultado.
    Cumprimentos e bem-vindo!

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