terça-feira, 2 de novembro de 2010

Umberto Eco, O Cemitério de Praga

Umberto Eco escreveu um novo livro e, ao que parece, criou uma nova polémica, desta vez junto de parte da comunidade judaica italiana.
Segundo afirma Anna Foa, num texto espantoso, ao desmistificar os falsos e anti-semíticos Protocolos dos Sábios de Sião, Eco consegue torná-los plausíveis. Como? Ora, diz Anna Foa,
«le faux semble devenir vrai dans un contexte où tous les documents sont faux quoique vraisemblables, ou tous les acteurs sont doubles et triples, et où la confusion entre le vrai et le faux règne souverainement» comme l'écrit Anna Foa dans «Pagine ebraiche» (Aqui)
Não sei se o livro vale a polémica mas mal posso esperar que apareça no mercado. Um romance histórico em que o falso se assemelha ao verdadeiro porque a distinção entre ambos se esbate no contexto da narrativa e em que as personagens são duplos de si? I'm sooo there!
Obrigada à senhora Anna Foa e à sua irritação por uma obra literária não ser realista, fundamentalista da verdade ou querer substituir os professores de História e as enciclopédias. É o problema da publicidade: torna público mesmo aquilo de que não gostamos. Por isso, é que é sempre boa. Mesmo quando é má.

2 comentários:

  1. Humberto Eco nos brinda com outro romance, “O Cemitério de Praga”. Pelo que me consta, ainda não foi traduzido para o português. Este romance, em forma de diário, é narrado através de um personagem com dupla personalidade. Nele, cada personalidade escreve alternadamente e ao mesmo tempo, cada um narrando os acontecimentos de que foi protagonista como se fossem duas pessoas distintas.
    O romance prende o leitor desde o início até o fim. O período que se desenrola é o final do século XIX e o ambiente se passa em Turim e Palermo, na Itália, e Paris, na França. No início é bastante cômico, devidos às definições dadas aos padres a povos e organizações. Os jesuítas. São chamados de maçons vestidos de mulher, os judeus devoradores de crianças cristãs, os maçons continuadores dos templários decididos a acabarem com hebreus, cristãos e a monarquia. Os comunistas são identificados como conspiradores e sabotadores.
    Após esta parte hilariante o romance toma um rumo amedrontador, cheio de atentados e assassinatos. A parte final é tenebrosa. Há uma trama generalizada. Um abade morre duas vezes, cadáveres são enterrados nos pátios das casas ou bóiam sobre o rio Sena, navios explodidos em pleno mar mandando para os ares todos os tripulantes. Os jesuítas conspiram contra os maçons, estes estrangulam os padres com as próprias tripas. Personagens conspiram uns contra os outros. Vem a versão da Comuna de Paris descrita como um fiasco. A trama de serviços secretos envolve italianos, franceses, prussianos, russos, numa ação de espionagem e contra espionagem.
    O centro da trama se refere a um documento falso, um “borderau”, sobre uma reunião de sábios judeus no antigo Cemitério de Praga. Consta que Hitler teria tido conhecimento deste documento e o teria levado a exterminar os judeus nos campos de concentração. Foi um documento forjado a várias mãos, mas com o retoque final do personagem principal do livro, o tabelião falsário, capitão Simonini. Constava que teria havido uma reunião naquele cemitério dos chefes dos rabinos de várias partes da Europa, os quais firmam os Protocolos dos Sábios Anciãos de Sião. Nesses Protocolos estariam traçados os planos dos judeus para conquistarem o mundo e a aniquilarem o cristianismo. Conforme o documento, á meia-noite, no Cemitério de Praga, chegaram doze indivíduos envoltos em mantos escuros, e uma voz, saindo do fundo de uma tumba os saudou como os doze Rosche-Bathe-Abboth, chefes das doze tribos de Israel, e cada um deles respondeu. “Saudamos-te, filho do condenado.” Daí prosseguia a voz. “Passaram-se cem anos desde o nosso último encontro. Donde vindes e a quem representais?” E cada um se apresentou dizendo-se representante de Amsterdam, Toledo, Worms, Peste, Cracóvia, Roma, Lisboa, Paris, Constantinopla, Londres, Berlim e Praga. Após isso, cada uma das vozes proclamou as riquezas de sua localidade. Calculadas as riquezas, passa-se a descrever o plano para aniquilar os cristãos e apoderarem-se do mundo. Para tanto seriam tomados os bancos, os meios de comunicação, a educação, as ciências, aas artes. Enfim, o Plano do Cemitério de Praga seria um projeto para os judeus tornarem-se senhores de tudo o que houvesse sobre a terra.
    ( IL CIMITERO DI PRAGA, Umberto Eco. Milano, Bompiani, 2010)


    Publicado: www.selvinomalfatti.blogspot.com

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  2. Olá e muito bem-vindo!
    Parece que o livro tem todas as características que tornaram tão fascinante "O Nome da Rosa", um daqueles raros romances “histórico-filosófico-policiais” bem escritos e que ainda consegue um piscar de olho ao conflito entre a tradição clássica (ao sugerir o real valor atribuído à comédia por Aristóteles) e uma visão religiosa do mundo que pretendia abolir qualquer dissensão ou sinal de desordem e, consequentemente, o valor do riso e do cómico.
    Infelizmente, como ando com demasiado trabalho, ainda não consegui arranjar tempo para ler "O Cemitério de Praga". Mas agora, com uma Reflexão tão interessante, ainda fiquei com mais vontade de o ler. No entanto, pelo pouco que li do livro, acho que o meu domínio do italiano não vai ser suficiente e isso também me tem feito hesitar em tratar o texto como merece e me tem feito desistir ao fim de algumas páginas.
    Da última vez que parei foi quando “I gesuiti sono massoni vestiti da donna” me fez ir procurar o significado de "massoni"! É que sem ter percebido à primeira que eram os maçons, a frase não me fazia sentido . Até já pensei em tentar a versão espanhola que se pode encontrar na Amazon, mas ler um autor italiano em espanhol não me agrada muito…
    Assim que acabar de rever uns textos de Sylvia Plath e um compêndio de literatura comparada que já está em atraso, este vai ser o próximo na lista – é que vou precisar de tempo para o ler com o dicionário de italiano à mão.
    Abraços e muito obrigada pelo comentário!

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